03/06/2025 07h00 - Atualizado 03/06/2025 17h04

O Cuidado com os Filhos no Divórcio e os Métodos Autocompositivos

Por Terezinha
para IARGS
Desde a virada do Século tenho interesse em uma prática de abordagem adequada aos conflitos (às lides) de casais que estão em dinâmica de ruptura da vida plena afetiva em comum e necessitam tratar dos cuidados dos filhos, em correlato com o interesse sobre o tema da alienação parental pelo olhar de Richard Gardner, o sistematizador da Síndrome da Alienação Parental (SIP)[1]. Temas debatidos nos encontros oportunizados em atividades complementares entre alunos do curso de direito e profissionais das áreas da saúde e jurídica convidados, após a exibição do documentário “A Morte Inventada”[2], para o reconhecimento prático do que pode se passar no íntimo da dinâmica da separação de casal com filhos, incentivando a abordagem diferenciada ao conflito pelos Métodos Autocompositivos, o estudo do fenômeno da SIP e a promoção da Lei 12.318/10, sobre a qual, diga-se de passagem, persistem vozes refratárias e infelizmente sofre ataque.
Neste contexto de cuidados com a prole, a guarda dos filhos é estabelecida na modalidade compartilhada como standard (padrão)[3]. Observando-se o respeito aos legítimos interesses das pessoas envolvidas, primordialmente os interesses dos filhos (crianças ou adolescentes), tende a resultar complexo este “consenso” quando se dá somente no âmbito jurídico-formal do processo judicial: a lei dispõe que, em não havendo contrariedade dos pais, ambos estando aptos e com vontade de exercê-la, a guarda judicial será (e deverá ser) decretada na forma compartilhada. E viveram felizes para sempre?
Uma situação ideal sob o ponto de vista jurídico, pois atribuiria iguais responsabilidades, direitos e obrigações sobre os filhos comuns do casal em ruptura de vínculo afetivo a ambos os genitores (ou adotantes), além da chance aumentada de encerramento da lide processual de forma prematura entre os cônjuges (ou o ex-casal e agora par parental) em dinâmica de ruptura. Idealmente esta modalidade de guarda também se destinaria a afastar eventual conduta alienadora.
Com a dinâmica da ruptura do vínculo conjugal em que são envolvidos filhos e a natural e gradativa desvinculação parental pela alteração do alvo dos interesses afetivos que podem estar inseridos no contexto e, em pelo menos um deles, a percepção da experiência do luto, a vida já não será a mesma. Como processo psíquico, deve ser abordado adequadamente na medida da desconstrução da vida plena afetiva em comum, com a necessária ressignificação para o saudável compartilhamento das funções parentais, longe da possibilidade de haver atos de alienação; afinal, família persiste.
Sob os princípios da proteção integral, da prioridade absoluta, da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, os filhos, crianças e jovens, são preparados para atravessarem o conflito dos pais? “Não há dúvidas, entretanto, que essas crianças, em tese, precisariam de mais recursos em termos de cuidados e assistência psicológica do que aquelas que vivem em famílias intactas. Por certo, isso constitui uma presunção, mas uma presunção que, pelo menos em princípio, faz algum sentido”[4].
Os efeitos diretos e imediatos são sentidos na ausência da relação afetiva entre os genitores que se projeta no lar conjugal; no medo, na contradição, na contextual ambivalência, na culpa, na ansiedade instalados e no desejo dos filhos (consciente ou inconsciente) – que será frustrado – de reparação do status quo. No âmbito pessoal da criança e do adolescente, geralmente quando não lhes é dada a chance, os filhos não conseguem compreender o que se passa e tendem a interpretar a ausência, normalmente do pai, em termos de abandono e culpa[5].
Sob essa perspectiva prática, a abordagem e o exercício (executabilidade) dessa modalidade padrão de guarda compartilhada em contexto de acolhimento do casal em dinâmica de ruptura de vínculo afetivo, deve ocorrer a partir da construção de critérios que abriguem o respeito aos valores, aos princípios e aos interesses educacionais que cada genitor tem para a formação dos filhos, sem ofensa a proteção integral da criança e do adolescente, seguido da organização desses critérios que se tornam vinculantes por intermédio de combinações – que se revela juridicamente pelo termo de acordo – com efetiva distribuição de convivência dos filhos entre os genitores (ou adotantes) e respectivos parentes, sobretudo proporcionar e estimular o exercício parental daquele genitor não residente.
Em que pese poder ser reduzido a termo, este acordo deve se manter dinâmico; vale dizer, como possibilidade e com previsão de mecanismos para sua revisão, integral ou pontual, em tempo hábil que não é o do processo judicial. Quanto menor o tempo entre os anos iniciais da criança até a avaliação e decisão sobre a guarda e convivência com foco na aferição do melhor vínculo para a criança e o jovem, melhor se previne a Síndrome de Alienação Parental e os prejuízos que podem advir ao desenvolvimento dos filhos.
Tem-se a impressão de que a abordagem adequada nesse contexto de ruptura do vínculo conjugal com filhos, desde as perspectivas científica[6] e deontológica[7], parte dos Métodos Autocompositivos. Como exemplos estão à disposição a Mediação para construção do Acordo de Coparentalidade[8], e, se poderia admitir, a adaptação do Dispute Board agora composta por equipe multidisciplinar (quem dera transdisciplinar) de profissionais das áreas da saúde mental e jurídica para o acompanhamento da executabilidade das combinações, com potencial evitação de ocorrência de atos de alienação parental e de ciclos de demandas judiciais[9], sobretudo quando o contexto dinâmico da ruptura do vínculo conjugal segue agravado a partir das novas relações afetivas de cada um dos genitores com terceiros ao núcleo familiar como fator estressor do conflito e que recomenda novas combinações possíveis em relação a guarda e/ou distribuição de convivência com os filhos[10].
Todos os esforços serão poucos porque envolvem pessoas em desenvolvimento (filhos crianças e adolescentes) que devem ser protegidas integralmente em relações libertas da possibilidade de atos de alienação parental, para preconizar os cuidados daqueles que os oportunizam o vínculo afetivo saudável. Esta visão e mudança de paradigma para abordagem adequado desse tipo de conflito pelos Métodos Autocompositivos levará os envolvidos para ambiente seguro e confidencial ao acolhimento e escuta das manifestações dos valores, princípios e interesses dos envolvidos, mantendo o protagonismo e a expressão do casal em processo de ruptura da vida em comum plena e afetiva, e procedimento parcial e comprometido com o saudável desenvolvimento e bem-estar dos filhos.
A criança e o jovem devem vivenciar situações e ambientes que lhes favoreçam o pleno desenvolvimento das capacidades e do sentimento de pertencimento, isso os inclui na abordagem do conflito entre seus genitores, presentes nesta leitura que serve de parábola: “Camilo voltou a acender a luz e viu o quarto. Viu simplesmente o seu quarto e reparou em como era atento cada pormenor, com aquilo de que necessitava, com as suas coisas tão guardadas. Tinha os livros do avô Alfredo e a sua fotografia com a avó Carminda e estava tudo guardado ali como uma memória viva, como se a sua cabeça tivesse o tamanho do quarto e já passasse mesmo o tamanho do quarto, porque havia muito que lhe pertencia pela casa fora. E até já o estar o mar ali lhe dizia respeito, porque começava a saber tudo das traineiras e do que fazia o Crisóstomo e parecia-lhe que a vida era aprender, saber sempre mais e mudar para aceitar sempre mais. O rapaz pequeno percebeu que, depois de um ano, era dali. Ganhara raízes. O corpo deitava-lhe domínios pela cama abaixo, pelas paredes acima, até para lá da porta. Apagou a luz para sorrir com o tamanho sempre infinito da escuridão. Também ele tinha um tamanho cada vez mais infinito. E não caía. Sentia que se levantava”[11].
[1] Sobre o tema Síndrome da Alienação Parental e o importante critério do “the stronger healthier psychological bond presumption – SHPB, e sobre a construção de fake news sobre o tema, ver Síndrome de Alienação Parental: de Hípias Menor a Richard Gardner, a Heurística da Mentira na Pós-Modernidade e as Consequências no Direito Das Famílias. Jorge Trindade e Paulo D’Oliveira. Revista Digital Luso-brasileira. Jun-set.2021. págs. 100-115.
[3] § 2º do artigo 1.584 do Código Civil (que permanece como está no Anteprojeto Senado Federal n°4/2025 de reforma da Lei 10.406/2002).
[4] TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para Operadores do Direito. 8. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2017. p. 418.
[5] GONÇALVES, Nair Teresinha. Capítulo LII – O Ritual do Divórcio, Uma Vivência de Grupo com Profissionais da Área do Direito. In: ZIMERMAN, David; MATHIAS, Carlos Antônio (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. 3. ed. Campinas: Millennium Editora, 2010. p. 543-552.
[6] MOLINARI, Fernanda. Mediação de Conflitos e Alienação Parental – Fundamentos Teóricos e Práticos. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2016.
[7] Inciso VI do parágrafo único do artigo 2° do Código de Ética da OAB (Resolução nº 02/2015 do Conselho Federal da OAB).
[8] HAINES, John M. e MARODIN, Marilene. Fundamentos da Mediação Familiar. Editora Artes Médicas. Porto Alegre. 1996. p. 11.
[9] Manual de Design de Sistemas de Disputas – Criação de Estratégias e Processos Eficazes para Tratar Conflitos. Diego Faleck. Ed. Lumen Juris. 2018.
[10] MOLINARI, Fernanda. Mediação de Conflitos e Alienação Parental – Fundamentos Teóricos e Práticos. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2016. p. 215.
[11] MÃE, Valter Hugo. O Filho de Mil Homens. Biblioteca Azul Editora. P. 191.
Paulo D’Oliveira
Diretor do Depto. Métodos Autocompositivos de Resolução de Conflitos IARGS. Advogado e Mediador Judicial. Mestre em Direito do Estado PUCRS. Especialização Psicologia Jurídica SBPJ

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