12/07/2022 06h45 - Atualizado 12/07/2022 06h45

Artigo- Crimes de Perigo Abstrato

Por Terezinha
para IARGS

Artigo do Desembargador aposentado Marco Aurélio Costa Moreira de Oliveira, Membro do Conselho Superior do Instituto dos Advogados RS 

Tema: Crimes de Perigo Abstrato
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Ao exame do direito penal moderno, não se pode ficar apenas na constatação de condutas causadoras de ofensa a bens jurídicos; deve-se ir além. Chega-se, então, a uma situação originada de um fato que, por ele, se conclua haver ou não ofensa a bem jurídico. Ou que se constate haver ou não, no ato criminoso, elemento ligado ao princípio da ofensividade, necessário ao reconhecimento de um delito.
 
Não havendo ofensa material, como ocorre na tentativa branca de homicídio, por exemplo, há de se reconhecer ter havido perigo efetivo de uma ofensa, como sustentam os estudiosos do fato punível. Nesse caso, na tentativa branca, sem ofensa material a um bem jurídico indicado no tipo penal, encontra-se um verdadeiro perigo relevante ao bem vida, bem próximo de perecimento direto e iminente, segundo o princípio da ofensividade.
 
Tanto a ofensa como o perigo de ofensa devem estar presentes no fato, como elemento punível, em defesa da sacralidade de bens jurídicos. Não havendo ofensa nem perigo de ofensa, o direito penal não pode ser chamado a atuar. Há, porém, pouquíssimas exceções, como em certas condutas de fatos descritos apenas em palavras de lei penal, nos chamados crimes de mera conduta ou formais que nada ofendem. (como nas redações dos artigos 291 e 294 do Código Penal e no simples porte de arma de fogo, nada fazendo o agente além de portar a arma). Em tais casos, não se vislumbra nem dano nem perigo de dano, nem conduta direta de dano, nem iminência de qualquer dano. São casos de aplicação de lei penal sem ofensividade ou como muitos dizem, de “ofensividade” apenas formal.
 
O crime de perigo abstrato é uma criação doutrinária que procura dar ao juiz um poder simplesmente intelectual, além daquilo que ele poderia ter, oferecendo-lhe condições de estabelecer normas de condutas puníveis, fora do alcance de uma ofensa real. O juiz não pode condenar criminalmente ninguém por algo abstrato, fruto de imaginação ou subjetivismo criador, e sim e apenas quando perante ele se demonstrar a existência de resultado ou situações concretas.
 
Desnecessário, seria invocar o art. 5º da Constituição, em seu inciso XXXV, quando a Lei Magna estabelece deva o julgador basear-se em algo concreto: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Isto é, ao judiciário cabe apreciar lesão, sempre que enfrentar matéria criminal, segundo o obrigatório princípio da ofensividade. Do mesmo modo, quando a referida norma refere ameaça a direito, deve o juízo em matéria penal ficar adstrito à ofensividade da ameaça. Cabe, aqui, lembrar que ameaça abstrata simplesmente inexiste, como, por exemplo até risível, a reza para obter algum mal a um inimigo. Somente em matéria extrapenal pode haver, eventualmente, algum ilícito cometido sem ofensa material.
 
Caso interessante de perigo abstrato, acabou sendo levado a mais de um juízo. Dois irmãos, com orientações diferentes na administração de uma propriedade rural de seus pais, apresentaram-lhes suas divergências. O casal optou em favor do que pretendia o mais jovem. O mais velho, na ausência de seus pais e do irmão, que haviam saído da casa para outras atividades, retirou-se para um aposento, por ele ocupado exclusivamente, situado nos fundos do terreno da casa. A peça, só dele, dispunha de garagem, banheiro completo, uma quitinete com churrasqueira e o quarto de dormir. Desgostoso com a situação, irado, furioso mesmo com a falta de apoio, empunha um revólver e, para desabafar, desfere cinco tiros atingindo a churrasqueira da quitinete. Por sua conduta, o demandado recebe sentença condenatória.
 
Onde, nesse caso, os julgadores encontram ofensa à ordem jurídico-penal? Onde, a potencialidade de causar mal a alguém? Existiu afronta ao princípio da ofensividade? Onde o crime de disparo de arma de fogo em local fechado seria capaz de ofender a ordem jurídica ou social causando perigo à incolumidade pessoal de alguém? Nada disso existiu; simplesmente não havia perigo concreto. O perigo abstrato, nesse caso, podia estar na cabeça dos julgadores; jamais no fato a ser julgado. O concreto estará no fato, gerador de “perigo direto e iminente”, como consta do art.132 do Código Penal (o grande paradigma interpretativo) ou no art. 5°, inciso XXXV da Constituição. Ao estabelecer “ameaça”, a Norma Constitucional descarta ameaça abstrata, pois toda ameaça em direito criminal é sempre concreta, como já se demonstrou.
 
Mesmo em se tratando de algo sem qualquer lesão a algum bem jurídico ou ameaça concreta, constata-se ser impossível a ocorrência de crime que decorra de perigo abstrato. É contra isso que cabe a crítica em se que se defende a necessária concretude do resultado ou do verdadeiro e concreto perigo. Por isso e outros fatos semelhantes, bem como segundo os argumentos jurídicos expostos, a única solução correta será afastar condenações por crimes de perigo abstrato. Aliás, que nada ofendem.

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