08/11/2023 07h45 - Atualizado 08/11/2023 07h45

Artigo- Diferenças Entre Doação e Partilha em Vida

Por Terezinha
para IARGS

 Artigo da advogada e administradora de empresas, Dra Isolda Berwanger Bohrer,
associada do IARGS
Tema: Diferenças Entre Doação e Partilha em Vida

________________________________________________________________________________

Neste momento de propostas de anteprojetos de lei para a atualização e a reforma do atual Código Civil, o Direito de Família e Sucessões, com destaque, se faz presente. Entre outros assuntos importantes a tratar, podemos apontar o planejamento sucessório como uma das discussões a serem abordadas, uma vez que este pode auxiliar a organizar e a facilitar a divisão de bens e direitos antecipadamente.

Procurando evitar litígios e uma possível demora na tramitação de inventário, a doação e a partilha em vida são instrumentos existentes e que merecem ser analisados.
 
O Código Civil de 2002, em seu artigo 538, conceitua a doação como sendo um contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere, do seu patrimônio, bens ou vantagens para outra. A doação, portanto, pode ser uma eficaz alternativa para a transmissão de bens em vida.
 
No entanto, a doação possui limitações, como a impossibilidade de ultrapassar o limite disponível do doador no momento da liberalidade, caso hajam herdeiros necessários. Da mesma forma, é nula a doação de todos os bens do doador sem reserva de parte suficiente para a sua subsistência. O Código, em seu artigo 550, ainda proíbe a doação, feita por pessoa casada, em favor da concubina.
 
É bom lembrar que a doação feita a herdeiros necessários configura antecipação de legítima, podendo ser ela dispensada da colação de maneira expressa.
 
A partilha em vida, por outro lado, pode ser comparada a uma doação, porém, de todo o patrimônio do doador o qual reserva para si somente os recursos suficientes para sua subsitência. Essa reserva pode ser realizada através de usufruto por exemplo. Deixar de reservar recursos suficientes caracterizaria a doação universal, o que é prática vedada pelo nosso ordenamento jurídico, como esclarece o artigo 548 do atual Código Civil.
 
A partilha dos bens em vida segue as regras da doação. A grande diferença é que ela propõe a dispensa da abertura de inventário e não pode ser alterada, uma vez que segue rígida observância à legítima dos herdeiros necessários e exige a aceitação de todos os destinatários.
 
A doutrina entende que partilha em vida pode ter duas modalidades, nomeadas de partilha-doação e partilha-testamento. A chamada partilha-doação não se confunde com doação. A partilha-doação tem eficácia em vida do titular do patrimônio, antecipando a sucessão. Já a partilha-testamento, é a modalidade preparada como instrumento de última vontade.
 
Caso o disponente adquira novos bens após a realização da partilha em vida, estes, sim, serão alvo de inventário e partilha (nesse caso, post mortem) entre os herdeiros legítimos, ressalvado eventual testamento. Por essa razão, a partilha em vida não se trata de adiantamento de legítima, visto ser a própria legítima que é entregue ao virtual herdeiro, nem há obrigatoriedade de colação, que só cabe quando há adiantamento. [1]
 
Embora existente em nosso ordenamento jurídico desde o Código Civil de 1916, a partilha em vida é comumente criticada pela doutrina, dado que possui um certo grau de imprecisão quanto aos seus limites e consequências. [2]
 
Em tese, pode ser um instrumento interessante de planejamento sucessório, se o intuito do planejador for dividir a herança em vida, transmitir a propriedade imediatamente e apaziguar eventuais conflitos latentes, na medida em que sua presença pode ser fundamental para a paz familiar. [3] No entanto, o Código Civil atual trata do assunto somente no seu artigo 2.018, não deixando soluções previstas em lei de forma clara a problemas os quais são objeto de crítica doutrinária.
 
A vida do partilhante continua e, com ela, podem surgir questões, após a partilha em vida, relativas a fatos novos, imprevisíveis e supervenientes. Exemplos seriam a superveniência de descendente sucessível ao partilhante ou a dissolução do relacionamento conjugal existente à época da partilha.
 
No caso do surgimento de um novo descendente, a partilha será nula caso o descendente sobreviver ao partilhante e será necessário a realização de uma nova, contemplando o herdeiro necessário que não foi incluído na partilha anterior.
 
A dissolução do relacionamento conjugal pode, da mesma forma, ser um acontecimento superveniente à partilha em vida. Nesse caso, fica a dúvida se o cônjuge à época da partilha e que perdeu a qualidade de herdeiro por ser ex-cônjuge no momento da morte do partilhante, precisa devolver a herança. Com certeza, é um caso que atinge a eficácia contratual e que traz à baila o dispositivo do Código Civil que trata dessa alternativa de planejamento sucessório e que não é suficiente para resolver todas as controvérsias.
 
Os autores Heloisa Helena Barboza e Vitor Almeida se manifestam no sentido de que é necessário que o antigo cônjuge ou companheiro que recebeu quinhão na partilha em vida, devolva os bens herdados na ocasião para que sejam inventariados e distribuídos aos herdeiros existentes na morte do partilhante. Não é, portanto, necessário desconstituir a partilha em vida como um todo, mas inventariar exclusivamente os bens que deverão ser devolvidos ao espólio do partilhante para que sejam entregues aos herdeiros, de acordo com a ordem de vocação hereditária. [4]
 
A partilha em vida seria uma boa alternativa ao planejamento familiar, porém, os problemas supervenientes a este instituto, trazem insegurança jurídica sobre sua eficácia, ainda mais considerando o aumento da longevidade da população e a busca de uma melhor qualidade de vida como um todo.
[1] Rosa, Conrado Paulino da. – Planejamento Sucessório: Teoria e Prática. São Paulo: Editora JusPodivm, 2022. – págs. 206 e 207.
[2] Direito das Sucessões: problemas e tendências – coordenado por Ana Carolina Brochado Teixeira, Ana Luiza Maia Nevares – 2. Ed. – Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2024. – pág. 272, artigo de Conrado Paulino da Rosa e Fernanda Rosa Coelho.
[3] Direito das Sucessões: problemas e tendências – coordenado por Ana Carolina Brochado Teixeira, Ana Luiza Maia Nevares – 2. Ed. – Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2024. – pág. 491, em artigo escrito pelas coordenadoras.
[4] Direito das Sucessões: problemas e tendências – coordenado por Ana Carolina Brochado Teixeira, Ana Luiza Maia Nevares – 2. Ed. – Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2024. – pág. 502, em artigo escrito pelas coordenadoras.

Comente, critique, elogie, abaixo nos cometários

  1 Comentário   Comentar

  • Ana Palmirara Coelho 6 meses     Responder

    Excelente artigo. Parabéns.

Faça seu comentário

Você pode usar essas tags HTML:
<a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>