16/08/2022 08h37 - Atualizado 16/08/2022 08h37

Artigo- O Ensino do Direito Penal

Por Terezinha
para IARGS

Artigo do Promotor de Justiça e ex-presidente da FMP, Dr David Medina

Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal

Tema: O Ensino do Direito Penal


1. Introdução

O século atual testemunhou grandes transformações no ensino superior, ampliando as possibilidades de acesso à informação, bem como o contato virtual com professores de todas as partes do mundo.

O ensino jurídico não ficou alheio às mudanças, sendo afetado profundamente por essas transformações. Nesse contexto, podemos dizer ensino do Direito Penal constitui um dos grandes desafios da formação jurídica na atualidade.

O presente artigo, longe de exaurir a matéria, traz provocações e reflexões acerca do ensino dessa importante disciplina jurídica.

2. As peculiaridades da disciplina do Direito Penal

Claus Roxin, um dos maiores pensadores do Direito Penal contemporâneo, afirma que, de todas as áreas jurídicas, o Direito Penal é a mais conhecida e, para aqueles que não são juristas, a mais interessante, pois crimes de impacto espetacular excitam as pessoas, assim como relatos de crimes e séries de televisão (ROXIN, 2007).

Não obstante, o Direito Penal exige redobrados esforços de professores e alunos, além de boa dose de paciência. Isso porque o primeiro contato do estudante com essa disciplina pode ser frustrante, diante das elevadas expectativas geradas por filmes e séries que exploram o universo da criminalidade e do sistema de justiça criminal, normalmente com inspiração nos modelos estrangeiros. Mas, ao se confrontarem com a disciplina, os estudantes percebem a enorme distância que existe entre a realidade e as séries e filmes com essa temática.

O Direito Penal é uma disciplina dura, complexa, densa e extensa, pois lida com o lado mais sombrio da natureza humana em sua relação com outros indivíduos e o Estado, envolvendo muitas teorias e escolas de pensamento, além de conceitos difíceis e fortemente entrelaçados com outros ramos do saber em geral.

Tudo isso é agravado, no Brasil, pela realidade que envolve o crime e a pena, diante do desenfreado aumento da criminalidade, a superlotação prisional, a instabilidade legislativa e jurisprudencial, além de outros aspectos da realidade que imprimem caráter meramente simbólico ao Direito Penal e conduzem à deslegitimação dessa disciplina jurídica.

3. O papel do professor

No século passado, o professor era a grande referência de conteúdo, cabendo a ele não só ensinar diretamente, como apresentar os caminhos disponíveis para a busca do conhecimento. Com as ferramentas de pesquisa hoje disponíveis na internet, o papel do professor sofreu uma significativa e inexorável mudança.

Isso porque os métodos tradicionais, que privilegiam a transmissão de informações pelos professores, faziam sentido quando o acesso à informação era difícil. Com a internet e a divulgação aberta de muitos cursos e materiais, podemos aprender em qualquer lugar, qualquer hora e com muitas pessoas diferentes (MORÁN, José).

Essa realidade transformou drasticamente o papel do professor, que deixou de ser o transmissor de conteúdo para ser a ponte entre estudantes e o material amplamente disponibilizado em múltiplas fontes de pesquisa e aprendizado. As aulas expositivas, nesse contexto, perdem espaço para um conhecimento construído a partir da experiência protagonizada pelo próprio estudante. Ou seja, os grandes temas da matéria são coordenados pelo professor, iniciados pelo professor, motivados pelo professor, mas pesquisados pelos alunos, às vezes todos simultaneamente; às vezes, em grupos; às vezes, individualmente (MORAN, 2000).

4. As novas formas de ensinar

Não é recente o questionamento acerca dos métodos de ensino tradicionais, que não mais se ajustam às expectativas das gerações nascidas sob o signo da internet e da inteligência artificial. Aliás, um antigo provérbio chinês, atribuído a Confúcio, diz o seguinte: “o que eu ouço eu esqueço; o que eu vejo, eu lembro; o que eu faço, eu compreendo”. Conforme salientou MORAN:

“Com a internet estamos começando a ter que modificar a forma de ensinar e aprender tanto nos cursos presenciais como nos de educação continuada, a distância. Só vale a pena estarmos juntos fisicamente – num curso presencial ou escolar – quando acontece algo significativo.”

O mesmo autor salienta que ensinar e aprender exige hoje muito mais flexibilidade espaço-temporal, pessoal e de grupo, menos conteúdos fixos e processos mais abertos de pesquisa e de comunicação. Por outro lado, é importante educar para a autonomia, para que cada um encontre o seu próprio ritmo de aprendizagem e, ao mesmo tempo, é importante educar para a cooperação, para aprender em grupo, para intercambiar ideias, participar de projetos, realizar pesquisas em conjunto.

Atualmente, além de possuir conhecimento técnico do Direito Penal, o professor deve possuir um repertório de ferramentas, conhecidas como metodologias ativas, como a sala de aula invertida, o estudo baseado em problemas, o estudo de caso e várias outras, que devem fazer parte do repertório para ensino do Direito Penal, proporcionando uma aprendizagem construída ativamente, pois aprendizagem ativa ocorre quando o aluno interage com o assunto em estudo, sendo estimulado a construir o conhecimento ao invés de recebê-lo de forma passiva do professor (BARBOSA e MOURA, 2013).

5. Conclusão

Não há dúvida de que as novas tecnologias, notadamente a internet e a inteligência artificial, produziram grandes modificações no processo de ensino e aprendizagem, na medida em que afetaram não só as expectativas e experiências dos estudantes, como a fonte do conhecimento, que não mais se concentra na figura do professor, diluindo-se em diversificadas fontes de conteúdo.

O Direito Penal, por sua densidade teórica e a deslegitimação do sistema de justiça criminal contemporâneo, também exige uma nova forma de abordagem por parte dos professores, que devem utilizar novas e variadas ferramentas de ensino, conhecidas como metodologias ativas, para motivar e inspirar.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Eduardo Fernandes; GUIMARÃES DE MOURA, Dácio. Metodologias ativas de aprendizagem na educação profissional e tecnológica. Disponível em: https://bts.senac.br/bts/article/view/349/333. Acesso em:  09 ago. 2022.

ROXIN, Claus. Introdução ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 3

MORAN, José. Mudar a forma de ensinar e aprender. Revista Interações, São Paulo, 2000, vol. V, p. 57-72.

______. Mudando a educação com metodologias ativas. In  h t t p : / / u e p g f o c a f o t o . w o r d p r e s s . c o m. Acesso em: 30 jul. 2022.

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