25/05/2021 07h33 - Atualizado 08/06/2021 08h20

Artigo- Regras e Princípios à Luz da Teoria de Robert Alexy

Por Terezinha
para IARGS

Artigo da advogada Gisele Cabral, Mestre em Direito,

associada do IARGS e especialista em Direito do Consumidor

Tema: Regras e Princípios à Luz da Teoria de Robert Alexy

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          A distinção entre regras e princípios vem, ao longo do tempo, provocando infinitos debates dos estudiosos do Direito, envolvendo a comunidade acadêmica, juristas, julgadores e, de forma mais ampla, a sociedade. É de fundamental importância o domínio do tema, porquanto encontra reflexo imediato na interpretação e aplicação das normas. Em vista disso, o presente artigo busca apresentar, de forma suscinta, a distinção entre regras e princípios, conforme a teoria de Robert Alexy[1] e sua utilização prática no âmbito das ciências jurídicas.

          Destaca-se que, tradicionalmente, não se fazia a diferenciação entre regras e princípios. Concebia-se o ordenamento jurídico como um sistema normativo formado apenas por regras. Em outros termos, norma era sinônimo de regra. Tal teoria encontra-se alinhada ao pensamento de Hans Kelsen[2] que concebeu o ordenamento jurídico como um sistema de normas que obedecia a uma condicional-hipotética: se A, então B.

          Por meio das teorias que se opuseram ao positivismo, passou-se a admitir o caráter normativo dos princípios. Dentre os autores, merece destaque a doutrina de Dworkin, que entendeu que as regras são aplicáveis à maneira ou-tudo-ou nada. Os princípios, por seu turno, podem ser usados para decidir um caso concreto quando se apresenta uma situação de injustiça ou ainda de imoralidade. No entanto, os princípios – se não cumpridos, não acarretam uma sanção imediata[3].

          Seguindo por essa linha, mas indo além, Alexy assevera que tanto as regras quanto os princípios são normas jurídicas, haja vista que ambas indicam o dever ser. Em outras palavras, considera as normas jurídicas como gênero que se subdivide em duas espécies: regras e princípios. Portanto, tanto as regras como os princípios indicam condutas a serem realizadas, ou seja, são mandato, permissão ou proibição[4].

          Em linhas gerais, são possíveis três teses de diferenciação entre regras e princípios. A primeira tese é conforme a diversidade. A segunda tese defende que regras e princípios se diferenciam consoante o grau[5]. A terceira tese, adotada por Alexy, é do mandamento de otimização. O doutrinador assevera que a diferenciação entre regras e princípios não ocorre de forma gradual, mas qualitativa[6].

Resumidamente, pela teoria de Alexy, regras são normas que comandam, proíbem ou permitem algo de forma definitiva. Nesse sentido, elas são comandos definitivos. A forma de sua aplicação é a subsunção. Quando uma regra é válida, é comandado fazer exatamente aquilo que ela exige. Se isso é feito, a regra é cumprida; se isso não é feito, a regra não é cumprida. Assim, regras são normas que sempre podem somente ser cumpridas ou descumpridas[7].

Por outro lado, princípios são normas que comandam que algo seja realizado na maior medida possível em relação às possibilidades fáticas e jurídicas. Os princípios são, portanto, comandos de otimização. Enquanto tais eles são caracterizados por poderem ser cumpridos em diferentes graus e pelo fato de a medida comandada de sua realização depender não só das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas[8].

          Dessa forma, a doutrina alexyana defende que a diferença entre regras e princípios se dá em razão do cumprimento da norma. Sendo assim, assevera que as regras devem ser cumpridas tal qual estiverem estipuladas; diversamente dos princípios, que deverão ser cumpridos na medida do possível.

          A distinção entre regras e princípios fica mais evidente em caso de conflito normativo. Em caso de conflito de regras, tradicionalmente é resolvido segundo os critérios tradicionais de resolução de antinomias[9]. Alexy ainda traz uma nova possibilidade: a introdução de uma cláusula de exceção: ou uma das regras é declarada inválida segundo as regras de precedência, ou se considera uma exceção[10].

          As colisões entre os princípios, por sua vez, devem ser solucionadas de forma diversa ao conflito entre regras. Para Alexy, a natureza dos princípios como comandos de otimização conduz diretamente a uma conexão necessária entre os princípios e o exame da proporcionalidade. A máxima da proporcionalidade consiste em três máximas parciais: a máxima parcial da adequação, a máxima parcial da necessidade e a máxima parcial da proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, a ponderação. Essa máxima expressa o que significa a otimização no que diz respeito às possibilidades jurídicas. A lei da ponderação reza: “quanto maior o não cumprimento ou restrição de um princípio, maior deve ser a importância do não cumprimento do outro”.[11]

          Enquanto o conflito entre regras resulta de uma antinomia, devendo ser resolvida pela perda da validade total ou parcial, de uma das regras em conflito, ainda que em determinado caso concreto, deixando de cumprir uma para cumprir outra, por entendê-la correta. Já as colisões entre os princípios resultam apenas que se privilegie a observância de um, sem que isso invalide o outro, total ou parcialmente.[12]

          Dessa forma, verifica-se que a distinção entre regras e princípios tem um papel fundamental na resolução de conflito normativo, especialmente aqueles envolvendo a colisão de princípios. Isso ocorre uma vez que as regras, sendo mandamentos definitivos, obedecem a subsunção e, no caso de conflitos, deverá uma das duas deverá prevalecer enquanto a outra deverá ser invalidada. No caso dos princípios, sendo estes mandamentos de otimização, ou seja, são normas que indicam uma determinada conduta na maior medida possível e, no caso de colisão, deverá ser resolvido pela ponderação.

          Vale destacar que a doutrina de Robert Alexy vem recebendo diversos adeptos, mas também muitas críticas[13]. Destacamos que se trata de um método que tem como objetivo dar uma orientação para solucionar conflitos envolvendo princípios, de forma a mitigar a discricionariedade do julgador/aplicador do direito e a insegurança jurídica. Com isso, entendemos que a teoria alexyana tem um relevante papel para a apreciação e a execução do Direito, sobretudo nos casos não alcançados pelos métodos tradicionais da resolução de antinomias.

[1] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. Publicada originalmente em 1985, com o título Theorie der Grundrechte.

[2] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 6ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 55.

[3] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. pp. 35 e ss.

[4] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p.87 e ss.

[5] Os adeptos dessa tese são, sobretudo aqueles autores que veem no grau de generalidade o critério decisivo para a distinção. Também chamado de critério de distinção dúctil.

[6] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 90.

[7] ALEXY, Robert. Teoria Discursiva do Direito. Trad. Alexandre Travessoni Gomes Trivissono. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 183.

[8] ALEXY, Robert. Teoria Discursiva do Direito. Trad. Alexandre Travessoni Gomes Trivissono. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 185.

[9] Critério hierárquico (lex superior derogat legi inferior), cronológico (lex posterior derogat legi propri) e da especialidade (lex specialis derogat legi generali).

[10] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p.92.

[11] ALEXY, Robert. Princípios Formais. In: TREVISSONO, Alexandre Trevissoni Gomes; SALIBA, Aziz Tuffi; LOPES, Monica Sette. Princípios Formais e outros aspectos da Teoria Discursiva do Direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense 2018. p. 5.

[12] GUERRA FILHO, Willis Santiago. A doutrina dos princípios jurídicos e a teoria dos direitos fundamentais como partes de uma teoria fundamental do direito. Revista de Direito do Estado. Rio de Janeiro: RDE, nº 3, p. 95-112, jul/set. 2006. p. 97.

[13] Entre seus adeptos, destacam-se Martin Borowski, Carlos Bernal Pulido, Matias Klatt , além dos juristas brasileiros: Virgilio Afonso da Silva, Claudia Toledo, Alexandre Trivissono, Luis Afonso Heck, Anízio Pires Gavião Filho, José Roberto Ludwig, Paulo Roberto Cogo Leivas, entre tantos outros. Por outro lado, a teoria dos princípios tem sido alvo de fortes críticas doutrinárias, entre os quais Habermas, Jan Sieckmann, Ino Ausberg, Ralf Poscher, Karl-Heinz Ladeur. Entre os opositores brasileiros, Ricardo Campos, Lênio Streck e Humberto Ávila.

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