O Rio Grande é um abraço
para IARGS
A Estância é de São Pedro. E São Pedro está incomodado.
De repente, a mão de rios avistada pelos colonizadores portugueses tornou-se garra, que com fúria olímpica devastou o Rio Grande.
Tornamo-nos cordeiros guachos[1], num balido único, procurando, no pampa, a mãe perdida.
Apesar de todas as nossas diferenças e nossos arraigados preconceitos, todos nós, os “pelo duro”, “os pretos”, os “bugres”, os “alemães-batata” e “os gringos” tornamo-nos um só. Amanhecemos lanceiros[2] e adormecemos Charruas[3] em volta do fogo, em busca de um conforto perdido em algum galpão empoeirado.
Foi como se o mate amargo[4] estivesse estado lá, sempre, como um aviso: há que se ter equilíbrio entre o verde da erva e o calor da água. E como se algum desavisado, ao adentrar no galpão, boleando[5] o pala[6], derrubasse a cuia[7]. Foi-se a erva, foi-se a água, fez-se o estrago.
Na década de 90, meu pai tinha uma égua tostada que sofreu um acidente num barranco, na velha Chácara da Cascata. Tinha sido presente de um sobrinho querido. O nome, Lixiguana (chuva fina que cai de lado). O veredito foi uníssono, era caso de sacrifício. Não conformado com isso, levei a égua à Clínica da Hípica. Operada por mão de fada, a égua se reergueu. Não serviu mais para montaria, mas embelezava o campo e ainda deu para tirar uma cria. E que baita[8] cria. O tratamento foi longo e cansativo. Naquela ocasião, a égua foi rebatizada com o nome de “Esperança”.
Enfim, tem sempre um cavalo envolvido. O cavalo Caramelo não resistiu firme no telhado a troco de nada. Resistiu para lembra-nos que nós, gaúchos, somos centauros. Combalidos, mas centauros.
Chove torrencialmente, mas tornamo-nos abraço. E aos poucos a ele juntaram-se mãos amigas, vindas do Sul, Sudeste, Centro-oeste, Norte, Nordeste, de todos os mais recônditos cantos do Brasil, para lembrarmos que fazemos parte de algo maior e íntegro.
Um abraço oriundo da adversidade, mas que contém aquilo que os gregos denominavam filotimia (apreço pela honra, pela dignidade), a philia (amizade, afeição) e eunoia (benevolência). Estamos crescendo. A cada alvorecer somos mais gaúchos e menos guachos. E vamos reconstruir o Rio Grande. Como dizia o poeta:
“vai-se um ano, mais outro, não me iludo
foram tantas lixiguanas pelegueadas
Eu sinto frio mas apesar de tudo
O meu destino é andar quebrando geada”[9]
Se nessa pelegueada[10] conseguirmos nos tornar um Estado mais atento à mãe terra e à Justiça Social, teremos feito nossa maior façanha. E não seremos apenas o modelo, seremos gigantes.
César Vergara de Almeida Martins Costa
Advogado membro do Conselho Superior do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul
[1] Guacho – animal sem mãe, amamentado com leite que não é o materno
[2] Alusão ao Lanceiros Negros – negros livres ou de libertos pela República Rio-Grandense que lutaram na Revolução Farroupilha.
[3] Alusão aos índios charruas que habitaram a região dos pampas do Rio Grande do Sul, do Uruguai e do sul da Argentina.
[4] Chimarrão – infusão de erva-mate que passa de mão em mão.
[5] Bolear – sentido figurado – alçar, girar.
[6] Vestimenta típica do gaúcho – Poncho.
[7] Recipiente de cabaça onde se faz o chimarrão.
[8] Expressão gauchesca: grande, enorme.
[9] Jayme Caetano Braun -Geadas
[10] Luta, batalha, combate
Jose luiz de Almeida Martins Costa Neto. 12 meses
Exelente o texto do meu irmao Cesar,representa o desejo de todos nôs de ver o Rio Grande em pé novamente. Rio Grande do Sul que sempre venceu as mais diversas batalhas durante sua existencia e nao vai ser agora que vai se entregar.Abraços!
Elpidio Borba 12 meses
Texto sensacional. Parabéns !
Balala Campos 12 meses
Belo texto, carregado da coragem dos gaúchos, passeando pela nossa cultura e com uma escrita primorosa. Parabéns !!
Maria do Carmo Campos 12 meses
Muito bom teu texto, primo Cesar. Racional e poético, atualíssimo e histórico, resultando num grande abraço de alerta para que nós todos, gaúchos e gaúchas, despertemos agora, no instante de nos darmos todos as mãos.
Jussara Galvão Betz 12 meses
Texto comovente e profundamente gaúcho, com as suas referências a nossas origens ,ao nosso relevo ousado e original como o nosso povo, sabiamente salpicado de
expressões gauchescas que tanto nos definem. Uma página digna de qualquer eminente escritor de nossos pagos.
Vera Maria Aurvalle Alvares 12 meses
Parabéns pelo belo texto .