29/04/2025 07h00 - Atualizado 28/04/2025 09h31

Quando o fim de um relacionamento é o início de um luto coletivo

Por Terezinha
para IARGS

Durante apenas quatro dias do feriado de Páscoa de 2025, 10 mulheres foram assassinadas no Rio Grande do Sul. Raíssa, de 21 anos, foi morta a facadas junto com o novo companheiro pelo ex-namorado. Uma gestante de 25 anos foi esfaqueada em via pública. Uma mãe degolada dentro de casa, outra executada diante dos filhos. Até uma adolescente de 14 anos, enteada da vítima, foi assassinada. Cidades diferentes, rostos diferentes, a mesma causa: homens que não aceitam o fim.

Essa realidade deve ser encarada como um sintoma de algo mais profundo: a ausência de recursos emocionais, jurídicos e sociais para lidar com o fim. O que chamamos de feminicídio é, muitas vezes, o estágio final de uma escalada de controle, violência e frustração não elaborada. São homens que não suportam a perda de poder. São mulheres que gritam por socorro e não são ouvidas a tempo.

Neste contexto, proponho refletir sobre um caminho ainda pouco explorado nas políticas públicas: a institucionalização das Práticas Colaborativas no Direito como estratégia de prevenção da violência de gênero. Um método que une advogados, profissionais da saúde mental, psicólogos e psiquiatras em um trabalho conjunto para ajudar os casais a romperem a união de forma respeitosa, segura e consciente.

Em 2013, o projeto Práticas Colaborativas no Direito de Família, apresentado pela advogada Olívia Fürst, foi o vencedor do Prêmio Innovare na categoria Advocacia. A iniciativa introduziu no Brasil um método já amplamente adotado em diversos países, com resultados consistentes na redução da litigiosidade e na pacificação dos conflitos conjugais.

Atualmente, tramita no Senado o PL 890/2022, que visa a instituir e disciplinar as práticas colaborativas como um método extrajudicial de gestão e prevenção de conflitos. O projeto de lei busca alterar a Lei de Mediação e o Código de Processo Civil para incluir as práticas colaborativas como uma opção para resolução de conflitos.

Esse modelo é especialmente eficaz em situações de guarda de filhos, divisão de patrimônio e reestruturação familiar, direito médico, mas sua potência vai além: é uma ferramenta preventiva contra a violência, porque oferece às partes um ambiente seguro, estruturado e orientado por escuta e responsabilidade, podendo contar com o apoio interdisciplinar de psicólogos e/ou psiquiatras.

Embora a Defensoria Pública deveria ser o canal para garantir esse atendimento à população de baixa renda, o método colaborativo é necessário em todas as camadas sociais. O ciúme, o sentimento de posse, o descontrole emocional e a ideia equivocada de que “a outra pessoa me pertence” não escolhem classe social, grau de instrução ou status financeiro.

Há inúmeros casais com alto poder aquisitivo que também enfrentam separações conflituosas e violentas, muitas vezes envoltas em processos longos, humilhantes e litigiosos. O sofrimento psíquico da ruptura, se não for acolhido, pode ser canalizado em forma de agressão. Por isso, o modelo colaborativo precisa deixar de ser exceção e tornar-se política pública — acessível, visível e confiável.

É hora de parar de reagir à tragédia para começar a preveni-la. A cada mulher assassinada por um ex-companheiro, há uma história que poderia ter sido diferente. Um caminho que poderia ter sido acolhido por profissionais preparados. Um homem que poderia ter aprendido a lidar com a perda de forma digna. Uma família que poderia ter sido poupada do luto.

Os números de feminicídio não param de crescer. Em vez de diminuir, os casos seguem aumentando conforme amplamente noticiado pela imprensa e redes sociais, deixando claro que o que vem sendo feito até agora não tem sido suficiente. Precisamos de outras respostas.

As Práticas Colaborativas, adaptadas para situações de risco, podem ser uma dessas respostas — porque ajudam a lidar com o conflito antes que ele vire tragédia. Criam espaço para escuta, acompanhamento por profissionais da área da saúde mental junto com advogados, e responsabilização. Por isso é tão importante que mais pessoas conheçam esse método, e que o PL 890/2022 avance no Senado até sua aprovação. Temos a chance de transformar o modo como enfrentamos o fim dos relacionamentos. E talvez, com isso, salvar vidas.

É tempo de mudança.

Referências

CONSULTOR JURÍDICO. Prêmio Innovare divulga vencedores de 2013. São Paulo, 2013. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2013-nov-28/premio-innovare-divulga-listavencedores-2013>.

INSTITUTO BRASILEIRO DE PRÁTICAS COLABORATIVAS (IBPC). Disponível em: https://www.praticascolaborativas.com.br/

MIGALHAS. Advocacia Colaborativa ganha espaço no Brasil. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/198649/advocacia-colaborativa-ganha-espaco-no-brasil

OAB/RJ. Cartilha de Práticas Colaborativas. Disponível em: https://www.oabrj.org.br/arquivos/files/Cartilha_de_Praticas_Colaborativas_-_OABRJ.pdf

CORREIO DO POVO. Sobe para dez o número de feminicídios no RS durante o feriadão. Publicado em 21/04/2025.

SENADO FEDERAL. Projeto de Lei nº 890, de 2022. Altera as Leis nºs 13.140, de 26 de junho de 2015, e 13.105, de 16 de março de 2015, para instituir e disciplinar as práticas colaborativas como método extrajudicial de gestão e prevenção de conflitos. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/163530

Grasiela Thomsen Giorgi

Associada do IARGS, advogada e mediadora, certificada em Práticas Colaborativas pelo IBPC e Mestre em Direito pela UFRGS

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