17/06/2025 07h00 - Atualizado 15/06/2025 21h49

Responsabilidade Civil do Poder Judiciário pela Demora na Prestação Jurisdicional

Por Terezinha
para IARGS

O presente artigo analisa a responsabilidade civil do Poder Judiciário em decorrência da morosidade na prestação jurisdicional, à luz da legislação brasileira, especialmente da Constituição Federal, do Código de Processo Civil (CPC) e da teoria da responsabilidade civil do Estado. A excessiva demora no julgamento dos processos tem gerado graves prejuízos às partes, comprometendo o exercício pleno do direito fundamental de acesso à justiça e à obtenção de tutela jurisdicional célere e eficaz. A ideia amplamente difundida no senso comum de que “a Justiça tarda, mas não falha” revela-se absolutamente inaceitável sob a perspectiva do Estado Democrático de Direito, pois justiça tardia equivale, em verdade, à denegação da própria justiça. É inadmissível que atos omissivos e procrastinatórios praticados por magistrados permaneçam impunes, sem qualquer responsabilização. A omissão judicial que compromete o direito das partes deve ensejar a responsabilização do Estado, nos moldes do art. 37, §6º da Constituição Federal, sendo urgente discutir mecanismos efetivos de reparação e as implicações desse fenômeno na proteção dos direitos fundamentais e na credibilidade do sistema judicial brasileiro.

Introdução
A morosidade processual tem sido um dos maiores desafios do sistema judiciário brasileiro, comprometendo a efetividade da justiça e o direito dos cidadãos à obtenção de uma decisão em tempo razoável. Embora a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, garanta que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, a prática cotidiana demonstra que a demora na prestação jurisdicional ainda é uma realidade que afeta significativamente a confiança da sociedade no Poder Judiciário.
Nesse contexto, surge a questão da responsabilidade civil do Poder Judiciário pela demora na prestação jurisdicional, ou seja, a possibilidade de que o Estado seja responsabilizado por eventuais danos causados aos cidadãos em razão da procrastinação nos julgamentos. A teoria da responsabilidade civil do Estado, bem como os princípios que regem a administração pública, são fundamentais para compreender os limites e as implicações dessa responsabilidade.

1. Princípios Constitucionais e a Responsabilidade do Estado
O Estado brasileiro, ao se comprometer com a prestação jurisdicional, deve observar princípios constitucionais, como a eficiência, a publicidade e, principalmente, a razoável duração do processo, conforme disposto no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal. A inobservância desses princípios pode acarretar danos aos cidadãos, que se veem privados de uma solução rápida e eficaz para suas contendas, especialmente em causas que envolvem direitos fundamentais, como os direitos à saúde, à educação e à liberdade.
O Código de Processo Civil de 2015 (CPC), em seu artigo 4º, também reforça a necessidade de celeridade e efetividade nos processos, estabelecendo que “o juiz, ao dirigir o processo, deve assegurar a razoável duração do processo, os meios adequados para garantir a efetividade do direito, a justa composição do litígio e a eficiência da atividade jurisdicional”. Além disso, o artigo 6º do CPC confere ao jurisdicionado o direito de obter uma decisão dentro de prazo razoável, uma vez que a demora na decisão judicial pode acarretar danos irreparáveis.

2. Teoria da Responsabilidade Civil do Estado
A responsabilidade civil do Estado por atos omissivos ou procrastinatórios da Administração Pública, incluindo o Poder Judiciário, encontra-se prevista no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, que dispõe sobre a responsabilidade objetiva do Estado por danos causados aos cidadãos. No âmbito judicial, o atraso na prestação jurisdicional pode configurar uma falha na prestação do serviço público, gerando o direito à reparação pelos danos causados.
A responsabilidade civil do Poder Judiciário pela demora na prestação jurisdicional é subjetiva ou objetiva, dependendo da análise do caso concreto. A responsabilidade objetiva é mais frequentemente aplicada, dado que a falha no serviço público de prestação jurisdicional, com a consequente demora, configura uma violação do direito do cidadão à razoável duração do processo e à efetividade da justiça.
No entanto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem estabelecido que, para a configuração da responsabilidade civil do Judiciário, é necessário que se comprove o nexo de causalidade entre o atraso na decisão e o prejuízo causado à parte, bem como que a demora seja injustificada, ou seja, que não haja justificativa plausível para o não cumprimento dos prazos processuais.

3. A Indenização por Danos Causados pela Demora Judicial
A indenização por danos causados pela demora judicial é um tema controverso, especialmente em relação à fixação do valor da reparação e à prova do efetivo prejuízo. A parte que se sente prejudicada pela demora na decisão pode buscar a reparação por meio de ação própria, que, segundo a jurisprudência, deve ser fundamentada na comprovação de que a procrastinação causou prejuízos diretos, como perdas financeiras, danos à saúde, ou outros prejuízos de ordem material ou moral.
O Código de Processo Civil, em seu artigo 11, prevê a possibilidade de a parte prejudicada requerer indenização por danos decorrentes de atraso processual, sem prejuízo das sanções administrativas aplicáveis aos servidores responsáveis pela morosidade. No entanto, a aplicação dessa norma tem sido objeto de debates, especialmente quanto à sua compatibilidade com os princípios da imparcialidade judicial e da independência do magistrado.

Conclusão
A responsabilidade civil do Poder Judiciário pela demora na prestação jurisdicional é uma questão que envolve tanto a teoria da responsabilidade objetiva do Estado quanto a aplicação dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal. A demora no julgamento de processos prejudica os cidadãos e pode gerar danos materiais e morais, configurando uma falha na prestação do serviço público de administração da justiça.
Apesar da legislação brasileira prever mecanismos para garantir a celeridade processual, a efetiva responsabilização do Judiciário por sua omissão ou procrastinação ainda enfrenta desafios. A discussão sobre a responsabilidade civil do Estado por danos causados pela demora judicial é essencial para a melhoria da eficiência do sistema judiciário e para assegurar a efetividade do direito fundamental de acesso à justiça, garantindo que os cidadãos não sejam vítimas de um sistema que falha em cumprir os prazos e princípios constitucionais.
O reconhecimento da responsabilidade civil do Judiciário pela demora processual, com a devida reparação aos prejudicados, é fundamental para garantir um sistema judiciário mais eficiente, justo e capaz de atender às demandas da sociedade de maneira célere e eficaz.

Dora Ribas Azevedo Fagundes
Associada do IARGS, Advogada, Especialista em Educação pela PUCRS, Mestre em Direito pela PUCRS, Parecerista da DPE/RS

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