27/05/2025 07h00 - Atualizado 26/05/2025 08h34

Um direito fundamental à identidade

Por Terezinha
para IARGS

Graças aos avanços da engenharia genética, o sonho de ter filhos tornou-se uma realidade ao alcance de qualquer pessoa.

No entanto, o uso das técnicas de reprodução assistida, não.

Estas práticas se encontram regulamentadas exclusivamente pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), por meio de normas éticas que se destinam à relação médico-paciente. Porém, ultrapassa este limite ao impor, por exemplo, o anonimato do doador e proibir a remuneração nas hipóteses de gravidez por substituição, chamada de “barriga de aluguel”.

Um dos protocolos exigidos é que os envolvidos no processo procriativo e o diretor da clínica médica firmem um o termo de consentimento informado.

Tal exigência acabou induzindo em erro o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que exige a apresentação deste documento para o registro extrajudicial do recém-nascido.

Mas existe uma realidade que não se pode ignorar.

Quer os  altos custos do procedimento nas clínicas de fertilização, quer o desejo de escolher o doador do material genético, difundiu-se a prática da auto inseminação, chamada de “inseminação caseira”, principalmente entre os casais homoafetivos femininos. No mais das vezes, elas querem que o filho conheça e conviva com quem elegeram para genitor.

Só que, quando do nascimento do filho, pela ausência do indigitado documento, o registrador civil limita-se a promover o registro no nome da parturiante. Mesmo quando consta o nome da outra mãe na Declaração de Nascido Vivo (DNV) ou mesmo quando elas são casadas.

A negativa impõe a propositura de uma ação judicial para a inclusão do nome da mãe não gestante no registro. Durante este período – que costuma ser longo –, ela resta privada de gozar da licença maternidade e de perceber o salário maternidade. Já o filho tem cerceado o direito à própria identidade, de ter o nome de uma das mães em seu registro de nascimento. Não poder ser incluído no seu plano de saúde, não fará jus à herança caso venha ela a falecer. E, na hipótese de as mães se separarem, não terá direito à convivência e nem a alimentos.

Ora, se o propósito da negativa é garantir que não ocorram fraudes, cabe é delegar ao Oficial do Registro Civil que promova o registro após colher as provas que entenda necessárias para certificar-se da origem da filiação. Até porque, em juízo, nem partes e nem testemunhas são ouvidas. Limita-se o juiz a ouvir o Ministério Público e chancelar o pedido.

A injustificável resistência do CFM nada mais significa do que uma tentativa de assegurar reserva de mercado aos médicos, quando deveria editar normas que assegurem segurança a este procedimento. Afinal, se existe potenciais riscos à mãe, maiores são os prejuízos ao filho.

Segundo o Superior Tribunal de Justiça, não há, no ordenamento brasileiro vedação explícita ao registro de filiação realizada por meio de inseminação artificial “caseira”. Ao contrário, à luz dos princípios que norteiam o livre planejamento familiar e o melhor interesse da criança, indicam que a inseminação artificial “caseira” é protegida pelo ordenamento jurídico (REsp 2.137.415/SP, Rel. Nancy Andrighi, j. 15/10/2024).

Diante deste panorama o Instituto Brasileiro de Direito das Famílias (IBDFAM) protocolou, perante o CNJ, solicitação para que a norma reguladora dos serviços notariais e registrais assegure o duplo registro quando do nascimento, observadas as cautelas a serem adotadas pelo registrador.

Afinal, é imprescindível priorizar o interesse de quem goza, constitucionalmente de proteção absoluta.

Maria Berenice Dias

Associada do IARGS, Desembargadora aposentada do TJRS Fundadora e Vice-Presidente do IBDFAM

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