05/05/2020 08h08 - Atualizado 02/08/2020 11h33

Que pode o Direito fazer pelo controle do coronavírus?

Por Terezinha
para IARGS

Artigo do Sylvio Roberto Corrêa de Borba, associado do IARGS, MBA, MSc

Membro do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul. Médico. Advogado. Procurador (aposentado) do Município de Porto Alegre

Tema: Que pode o Direito fazer pelo controle do coronavírus?

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Quando, em 1898, Emílio Ribas logrou controlar sucessivos surtos de febre amarela em Campinas, à custa exclusiva de isolamento dos doentes e do emprego de medidas clássicas de higiene – limpeza da cidade e controle da pureza de suas águas – sequer seus vetores e sua causa, o vírus amarílico, tinham sido descobertos. 
Hoje, embora distinta a ameaça e conhecido o agente etiológico, o isolamento, tanto horizontal quanto dos doentes, segue sendo a principal medida para seu controle. Sem meios de rápido diagnóstico, sem tratamento específico, sem vacinas disponíveis, o coronavírus tem limitado nossas ações. Espera-se, com isto, que um também limitado sistema de saúde possa promover, ao longo do tempo, o atendimento do maior número possível de indivíduos. Não esqueçamos, contudo, que o Brasil mantém, eficazmente, o maior sistema gratuito de saúde pública do mundo. 
Cabe ao Poder Executivo, com emprego dos serviços públicos e apoio dos profissionais médicos, o controle da pandemia e a adoção de medidas que, científica e paulatinamente, promovam o retorno de todas as atividades ao normal. Em tudo, neste âmbito, cabem dúvidas; sustentam alguns que o modo de vida dos seres humanos restou agudamente alterado, e jamais voltará a ser o mesmo. Dever-nos-íamos, pois, preparar todos para um novo “normal”. 
Há que apreciar com cautela tais palavras, que já estão sendo proferidas, sob variadas tônicas e diversos formatos, em alguns pontos do país. Não estamos em guerra. O Estado brasileiro alinhou, em 1988, seus fundamentos, seus valores e seus objetivos primaciais. Normas constitucionais definem direitos e deveres, individuais e coletivos, inclusive ante calamidades. O povo brasileiro, em forma própria, as instituiu, as escolheu, pensou a seu respeito. Devem ser seguidas, e não contestadas por normas inferiores, traçadas de afogadilho, cá e acolá, sob a alegação de que a urgência do momento as justifica. Mesmo quem creia que a situação atual é de gravidade análoga à guerra não terá respaldo para a produção de regramentos que se afastem da Carta porque, já não fosse o evidente descabimento deste fim, a Constituição não pode ser emendada em períodos excepcionais, como durante estado de defesa, estado de sítio, ou intervenção federal.[1] Se a situação é análoga à de guerra, como poderia, então, vir a Carta ser substituída por regras novas, inferiores, às vezes adrede preparadas para a contornar? Não importa que cargo ocupem, ou a que aspirem, tais vozes. Afinal, a manutenção da ordem pública e/ou da paz social, quando atingidas por calamidade natural de grandes proporções, constitui um dos supostos do estado de defesa (que não foi decretado), o que mais faz ver da necessidade de respeitar, e não de se antagonizar a Lei Maior, neste momento. 
Ajunte-se, porém, e para obtenção do equilíbrio, que ante seus cidadãos o Estado não se faz onipotente. A autoridade pública não pode fazer tudo quanto queira; só pode fazer aquilo que a Constituição prevê. Nem a urgência do momento, nem a descentralização do poder, própria das federações e necessária num país de tamanha dimensão, farão com que se extrapolem os permissivos constitucionais. A saúde não é o único bem social de relevância. É um dos mais importantes mas, ainda assim, não o único. Esforços devem ser postos na proteção do todo. Vem daí que necessidades serão atendidas, sob o pálio da legalidade constitucional, sempre ao abrigo da proporcionalidade. Pedra de toque das intervenções do poder público, a proporcionalidade é o instrumento que permitirá criar soluções constitucionais próprias para cada qual das distintas situações em que se encontram as comunidades espalhadas pelo país. Com seu emprego, todos receberão atenção, a saúde será resguardada na máxima extensão possível e a unidade, conservada. 
Se o momento exige ações prontas, e descentralizadas, mister que sejam equilibradas. Legem habemus, tratemos de respeitá-la. Nós, profissionais do Direito, saberemos controlar eventuais abusos.
[1] Cf. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, art. 60, § 1.º.

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