18/04/2023 17h23 - Atualizado 18/04/2023 17h23

Artigo- As conquistas legislativas no Direito da criança e a Lei 12.318/2010

Por Terezinha
para IARGS

Artigo da Diretora-Adjunta do Departamento de Direito e Bioética, Drª Melissa Telles Barufi,
presidente do Instituto Proteger e 
da associada do IARGS, Drª Laura Affonso da Costa Levy, Mestre em Bioética
Tema: As conquistas legislativas no Direito da criança e a Lei 12.318/2010

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O mês de abril é dedicado para intensificar a conscientização de que a Alienação Parental é uma forma de abuso que prejudica a saúde emocional e psíquica de uma criança, de um adolescente e até mesmo de um idoso, quando privados de expressar, nutrir ou desenvolver laços de afeto e até conviver com pessoas que naturalmente deveriam amar.
 
Não se pode olvidar a debilidade histórica tanto do Estado quanto da sociedade em reconhecer e fazer valer os direitos da criança e do adolescente reconhecendo-os em sua completude como sujeitos detentores de garantias fundamentais.
 
No entanto, a partir da Segunda Guerra Mundial (1939- 1945), tornou-se imprescindível a formalização de determinados princípios e a garantia de sua inviolabilidade para preservação dos direitos do indivíduo. Daí, a criança e o adolescente passaram gradativamente a receber, ainda que de forma incompleta, alguma proteção do Estado.
 
Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (10 de dezembro de 1948), a dignidade passa a ser reconhecida em seu preâmbulo como elemento intrínseco a todos os membros da família humana, assegurando para todos os integrantes desta, direitos iguais e inalienáveis, além de irradiar a liberdade, a justiça e a paz no mundo.
 
A Declaração resguarda a capacidade indistinta de todos os indivíduos para fruir dos direitos e liberdades nela previstos; a igualdade de tratamento perante a lei, assim como a proteção contra qualquer forma de discriminação; a liberdade de pensamento, consciência e crença religiosa; a liberdade em poder opinar e se expressar; os cuidados necessários à infância e o tratamento igualitário aos filhos concebidos dentro ou fora do casamento; dentre outros direitos e garantias nela previstos.
 
Assim, houve o fortalecimento do respeito e da dignidade do indivíduo nas relações sociais, principalmente dentro das relações familiares, passando ao tratamento igualitário e, por conseguinte, garantindo à criança e ao adolescente a importância, proteção e cuidado que realmente necessitam e merecem.
 
Paulatinamente a criança e o adolescente passam a ser considerados pela sociedade e pelo legislador como indivíduos carecedores e detentores de direitos e garantias fundamentais.
 
Com o advento da Carta Magna de 1988 e, logo em seguida, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), o país passou a aplicar o princípio da proteção integral, afastando por completo o termo “menor” e objetivando proteger a criança e o adolescente, independente da situação em que se encontram.
 
Concretizou-se a ideia de que as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e titulares de garantias fundamentais, conferindo-lhes, indistintamente, proteção prioritária, vedando qualquer forma de discriminação.
 
De lá pra cá, houve uma crescente no que se refere à proteção das crianças e adolescentes no Brasil, principalmente fortalecendo os encargos e as responsabilidades da família para o pleno desenvolvimento da prole, com a noção de parentalidade[1] e, principalmente, em igualdade de condições.
 
O Código Civil de 2002 eliminou qualquer resquício de privilégio a qualquer um dos genitores. Abrangeu equivalência de prerrogativa e de responsabilidades parentais, formando-se, assim, o conjunto de direitos e obrigações conferidos aos pais e em favor de seus filhos menores e incapazes (art. 1634 Código Civil), permanecendo obrigados a prover todas as necessidades da prole, educá-los e prepará-los para a vida, dever este que não se extinguirá sequer com a dissolução da sociedade conjugal.
 
Nessa esteira, em 2008 foi sancionada a Lei 11.698 que instituiu e disciplinou, preliminarmente, a guarda compartilhada, que visa a priorizar o bem-estar da criança, garantindo que ambos os genitores exerçam verdadeiramente a custódia, gerindo e administrando a vida dos filhos em igualdade de condições, proporcionando um crescimento e amadurecimento sadio aos menores e assegurando-lhes o exercício do poder familiar.
 
O instituto do poder familiar, vale ressaltar, é protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro e se baseia no princípio da igualdade de direitos e deveres entre os genitores em razão dos filhos, o que significa que, mesmo após a ruptura conjugal, os filhos não podem ser privados do convívio paternal ou maternal, pois seus direitos fundamentais devem ser resguardados em qualquer hipótese em virtude da responsabilidade parental[2].
 
Sobreveio, então, a Lei da Alienação Parental – 12.318/2010 – que abarca normas a serem aplicadas em conjunto com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com a Constituição Federal, bem como o Código Civil, traçando diretrizes relacionadas à Alienação Parental, cujo objetivo é a proteção do menor e a preservação de seus direitos fundamentais e, em especial a convivência familiar e o cuidado, mental e moral.
 
Assim, quando o genitor guardião negligência no seu dever de cuidar obstruindo o direito da criança do convívio com o outro genitor, estará ferindo o direito e garantia fundamental das crianças e adolescentes, descrito na Magna Carta.
 
Nesse particular a Lei nº 12.318/2010 foi criada com o objetivo de tutelar e coibir os atos de alienação parental, praticados pelo genitor, avós ou qualquer pessoa que tenha a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância, alienante em face do outro genitor.
 
De outro modo, visa assegurar a criança ou adolescente uma convivência familiar pacífica entre pais e filhos, preservando, assim, sua integridade física e psicológica, almejando sempre o melhor interesse da criança, a proteção ao desenvolvimento, ao afeto, à felicidade e à ancestralidade, e garantindo o direito a circular, permear e transitar no seio familiar.
 
Firme nessa premissa consagra o direito ao relacionamento familiar, que compreende a convivência, a companhia, as visitas, o contato permanente e as garantias de efetividade.
 
Assim, representa um avanço no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente no que se refere ao Direito de Família, por conferir meios ao constituinte para possibilitar ou resguardar o direito da criança ou adolescente ao convívio familiar mesmo após o término do relacionamento de seus genitores, tendo em vista a igualdade de direitos e deveres dos pais para com os filhos em virtude da responsabilidade parental.
 
O alcance protetivo da Lei e das medidas de proteção que podem ser aplicadas nos casos de alienação parental, dependem principalmente da educação e conscientização da sociedade e dos profissionais envolvidos no combate de tal problemática, que pode gerar consequências irreversíveis para a prole.
 
Através da análise dos princípios constitucionais, das medidas protetivas e dos novos valores jurídicos emergentes que podem ser aplicados ao tema, percebe-se que o objetivo principal não é punir o genitor alienante, mas sim restaurar o convívio familiar como forma de cuidado e resguardo dos direitos da criança e do adolescente.
 
A criança, para crescer de forma equilibrada e completa, necessita de um círculo familiar sólido e harmonioso, que a crie e lhe dê afeto, pois os laços afetivos são fruto de um processo ativo. Nesse aspecto, Sampaio refere que “a família não é, assim, uma cédula indestrutível, mas um espaço emocional onde cada um procura crescer e individualizar-se”[3].
 
Assim, a criança e o adolescente têm direito a sua história pessoal, bem como desenvolver sua personalidade e formar sua identidade pessoal, o que vem sendo protegido pelas legislações brasileiras, que trazem na sua essência a proteção e o cuidado, como valor supremo a ser perseguido.
[1] A noção de parentalidade está relacionada a tarefas, encargos, múnus, responsabilidades que recaem primariamente aos pais, mas se espraiam sobre toda família e que devem ser exercitadas de modo suficiente à formação e ao desenvolvimento da prole, ao nível físico, psicológico e social. Por se uma missão das mais complexas e desafiadoras do ser humano, a parentalidade compreende vários e relevante aspectos que foram pontuados por Barroso e Machado em sua definição multidisciplinar como o ‘conjunto de atividades propositadas no sentido de assegurar a sobrevivência e o desenvolvimento da criança, num ambiente seguro de modo a socializar a criança e atingir o objetivo de torná-la progressivamente mais autônoma’. BARROSO, Ricardo G.; MACHADO, Carla. Definições, dimensões e determinantes da parentalidade. apud MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Reflexões sobre a paternidade e maternidade socioafetiva. In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de; COLTRO, Antônio Carlos Mathias. Cuidado e o direito de ser: respeito e compromisso. 1 ed. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2018, p. 259-60.
[2] Nesse aspecto, vale ressaltar que a CF venceu a ideia clássica da família formada verticalmente pela dominação do homem, ao consagrar o princípio da isonomia, que direitos e deveres da sociedade conjugal seriam exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. No mesmo sentido, a ECA impõe o exercício igualitário do poder familiar entre os pais.
[3] SAMPAIO, Daniel. Inventem-se novos pais. Construindo uma relação mais soída e confiável entre pais e filhos. São Paulo: Gente, 2004, p. 35.

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