20/09/2017 10h23 - Atualizado 20/09/2017 10h23

Palestra- E a fome não acabou

Por Terezinha
para IARGS
“E a fome não acabou” foi o tema da palestra proferida pela Desembargadora Maria Berenice Dias, hoje, dia 19/09, no Grupo de Estudos de Direito de Família no IARGS. A anfitriã foi a advogada Gisele Cabral, sócia do instituto e membro do Grupo de Estudos. A temática da preleção relacionou-se à cobrança dos alimentos no novo CPC. Na sua avaliação, é difícil aprovar leis que penalizem atos que podem ser praticados pelo parlamentar. “Parlamento é masculino e, a justiça, sexista”, acentuou, advertindo que, talvez, um dos temas mais negligenciados pelo legislador é a que diz respeito aos alimentos.
De acordo com a desembargadora, jamais houve qualquer adequação relacionado a alimentos, tanto na ação como, principalmente, na sua cobrança. Ela lembrou que a Lei de Alimentos (LA) foi criada em 1968 (Lei nº 5.478/1968), “claramente em estado terminal por falência múltiplade seus dispositivos”. Para ela, tal omissão gerou enormes controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais.
Para ratificar sua opinião, citou alguns exemplos: no CPC de 1973 foram elaborados quatro artigos à execução dos alimentos (732 a 735) com previsão de prisão de um a três meses; a Lei de Alimentos dedicou quatro artigos à execução (16 a 19) com prisão de até 60 dias; a reforma do processo de execução 2006 (referente ao cumprimento da sentença) ampliou o rol dos títulos executivos extrajudiciais (585 II); o artigo 733 (CPC/73) refere-se à sentença ou decisão sem mencionar prisão.
No Novo CPC, disse, foi dedicado um capítulo às ações de família (693 a 699), extinguindo alimentos provisionais, regulamentando a cobrança dos alimentos, determinando o cumprimento de sentença e decisão interlocutória (CPC 528 a 533), além da execução de título executivo extrajudicial (CPC 911 a 913) e da revogação dos artigos 16 a 18 da LA.
Lembrou que a eleição da modalidade de cobrança depende tanto da sede em que os alimentos estão estabelecidos (título judicial ou extrajudicial) como do período que está sendo cobrado (se superior ou inferior a três meses). Referiu, ainda, que são previstos dois procedimentos: cumprimento de sentença ou decisão interlocutória de alimento definitivo ou provisório: rito da prisão (CPC 528) e rito da expropriação (CPC 530). Contudo, advertiu que ambos não são definitivos, ou seja, há decisão recorrível (sem prisão). Já o título executivo extrajudicial, explanou, é uma ação judicial que pode ser feita pelo rito da prisão (CPC 911) ou pelo rito da expropriação (CPC 913). Observou que o rito da coação pessoal é a única das hipóteses de prisão por dívida.
A Desembargadora diz não entender por que o devedor de pensão alimentícia é condenado ao regime fechado de prisão, porém separado dos presos comuns, afirmando ser este o crime mais hediondo que existe: “homicídio qualificado por dolo eventual, assumindo o risco de produzir a morte, cabendo tanto nos alimentos fixados judicialmente como em título executivo extrajudicial”.
Outro ponto observado relaciona-se à restrição à cobrança às três últimas prestações vencidas além das que se vencerem no curso do processo. Mencionou, também, que o executado é citado pessoalmente (pode ser pelo correio) para, no prazo de três dias, pagar, provar que pagou ou justificar a impossibilidade de fazê-lo. O prazo é contado da data da juntada do AR ou do mandado quando a citação ocorrer por oficial de justiça.
Citou, também, que não mais consta a exceção prevista na lei anterior que excluía a possibilidade de citação postal nos processos de execução. O dispositivo, segundo ela, não tem correspondência na lei atual: “Caso a citação ocorra por precatória, o prazo tem início quando informado o juiz deprecante de seu cumprimento”.
Todavia, acentuou que nada impede que a citação ocorra por hora certa (CPC 252), não mais dependendo de autorização judicial. “Depois de procurado duas vezes o devedor, o próprio oficial de justiça designa dia e hora para a citação”, afirmou, acrescentando que não há necessidade que já tenham vencidas três prestações para o credor buscar a cobrança. “O inadimplemento de uma única parcela já autoriza o uso da via executória. Como os alimentos se destinam a garantir a sobrevivência do credor, a dívida deve ser paga imediatamente e qualquer atraso autoriza sua cobrança”, sublinhou.
Seguindo sua preleção, ressaltou que o devedor é citado, ou intimado pessoalmente, pelo correio, com aviso de recebimento. “O executado pode evitar receber a AR e, neste caso, como os carteiros não dispõem da fé pública de que gozam os oficiais de justiça, o exequente deve requerer a intimação por mandado”, disse.
Relatou que a cobrança de alimentos vencidos há mais de três meses ocorre via prisão ou expropriatória. Ambos os processos correm em paralelo, ou seja, caso a pena não seja cumprida e os alimentos não sejam pagos, a execução prossegue pelo rito da expropriação. “É impositivo que as execuções sejam apensadas e prossigam em um único procedimento pela integralidade do débito”, referiu, acrescentando que crime de desobediência pode ser protocolado no caso de comprovação por perdas e danos.
Na sequência, informou que ainda que o demandado tenha bens para garantir a execução, é possível o pagamento mediante desconto em folha. “De qualquer modo, cabe ao executado indicar o meio mais eficaz e menos gravoso”, sugeriu. Além das parcelas mensais, Maria Berenice salientou que o débito executado acontece de forma parcelada, não ultrapassando 50% de ganhos líquidos. Apesar do salário ser impenhorável, a restrição não existe quando se trata de dívida alimentar”, referiu, ressaltando que, se o devedor não pagar e nem justificar o inadimplemento, cabe ao juiz, de ofício, determinar o protesto do procedimento judicial.
Aliás, quando se trata de título executivo extrajudicial, a Desembargadora disse que a medida não tem previsão expressa, inclusive a remissão é feita aos §§ 2º a 7º do art. 528 (CPC 911 parágrafo único). No entanto, observou que nada impede que o juiz tome igual providência em relação a débito alimentar, devendo a medida ser tomada de ofício.
Em qualquer hipótese de cobrança, prosseguiu, o credor pode obter certidão comprobatória da dívida alimentar para averbar no registro de imóveis, no registro de veículos ou no registro de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade. A advogada citou outras possibilidades coercitivas: bloqueio do cartão de crédito, retenção do passaporte e retenção carteira de motorista.
Para a cobrança, disse, quando são devidas até três prestações, o réu é citado para em três dias para pagar, provar que já pagou ou justificar a impossibilidade absoluta de fazer o pagamento. “A AR pode ser entregue em mãos, não precisando de oficial de justiça”, informou.
A título extrajudicial, explanou que, no prazo de 15 dias da juntada aos autos do aviso de recebimento, o executado pode oferecer embargos à execução independentemente da penhora, depósito ou caução. “No prazo dos embargos, o executado, procedendo ao depósito de 30% do valor da execução, mais custas e honorários, pode requerer o parcelamento do saldo, em até seis parcelas mensais, devendo o valor ser devidamente corrigido e acrescido de juros de um por cento ao mês”, disse, advertindo que a falta de pagamento, além de acarretar o vencimento das parcelas subsequentes, leva ao prosseguimento da execução com a imposição de multa de 10% sobre o valor não pago.
Na avaliação da Desembargadora, a lei mudou, e até avançou em alguns pontos, mas deixou de dar uma resposta mais célere e eficiente para cobrança da verba alimentar. Maria Berenice concluiu que o fato de o legislador abrigar em capítulos distintos as duas modalidades de executar alimentos, não significa que seja necessário o uso de procedimentos distintos: um para a cobrança do encargo vencido até três meses e outro para o pagamento das prestações anteriores. “Não há qualquer incompatibilidade para a execução de todas as verbas alimentares em único procedimento, tanto as antigas como as recentes”, afirmou, advertindo que ambas as execuções movimentam duas vezes a máquina judiciária, onerando o credor e só beneficiando o devedor.
Terezinha Tarcitano
Assessora de Imprensa

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